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“A gente vê
esses meios antigos concorrendo nesses espaços em que eles não conseguem
transformar a audiência deles em retorno financeiro. É o que acontece, por
exemplo, com a Gazeta do Povo, quando a gente está falando da Gazeta Online,
que é um meio de comunicação que ainda não conseguiu garantir o retorno financeiro
que o meio impresso e que a televisão tinham até então. Ainda que a TV não tenha
uma linha tão descendente, quanto os meios impressos, mas também passa por uma
crise enfrentando a internet e a TV a cabo”, afirma o jornalista e
ex-diretor-presidente do SindijorPR, Guilherme Carvalho.
Professor
dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas na UFPR,
professor de Jornalismo no Centro Universitário Uninter (UNINTER) e pesquisador
no projeto Comunicação & Democracia, Carvalho analisa que, além disso, se
implica a lógica do lucro como fim. Mas nesse caminho o sentido se dá inverso,
já que a redução de postos de trabalho e a sobrecarga para os que ficam, atinge
a qualidade do produto final do veículo de comunicação: a notícia com
qualidade.
“Sempre que se trata de um veículo de comunicação que tem como lógica, como
objetivo fim, o lucro, e por mais que os meios de comunicação do Brasil
privados digam que seu principal interesse é público, a verdade é que a
produção de notícia sempre é meio para obtenção financeira. E, assim, quando o
negócio não dá retorno nesse sentido, com o aumento do capital desses
empresários, a alternativa é cortes de gastos para não perder lucro ou retomar
seu crescimento, como eles tiveram nos anos 80 e 90 e que agora é ameaçado por
essa transformação de mercado. E, nesse sentido, sobra para o trabalhador, os
jornalistas são demitidos”, explica.
Crise não justifica o desrespeito
“Eu entendo
a demissão sempre como uma ação desrespeitosa, onde se desconsidera anos de
trabalho e dedicação de um profissional. São pessoas que apostam suas fichas em
uma empresa e acabam sendo demitidas, de uma hora para outra, como se não
tivessem ajudado a construir aquele veículo de comunicação, sua credibilidade”,
afirma Carvalho. É o caso, por exemplo, do repórter
Mauri König, um dos 11 jornalistas demitidos pela Gazeta do Povo no “passaralho” de agosto deste ano,
finalista de mais uma edição do Prêmio ExxonMobil (ex-Esso), o mais importante
reconhecimento dado aos trabalhadores da área no País.
Mas para o
professor, a ação de desrespeito contra os jornalistas vai além dos atos de
demissões. Por um lado, os jornalistas estão sujeitos às violências externas,
aquelas causadas em campo - como o que sucedeu com os profissionais agredidos
durante a cobertura do Massacre do dia 29 de Abril, quando a polícia, a mando
do Governo Beto Richa (PSDB), atacou os professores que lutavam pelo não
retrocesso de seus direitos -, mas também há as práticas violentas internas nas redações.
O estudo
“Controle editorial nas redações: sobre a percepção dos jornalistas de TV de
Curitiba”, desenvolvido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2014,
aponta um aspecto desse cenário. Conforme artigo publicado no site do Fórum
Nacional pela Democratização da Mídia (FNDC), de Ester
Athanásio, a pesquisa classificou o
comportamento dos jornalistas do Paraná frente à pressão editorial presente nas
redações.
De acordo
com os resultados, 88,6% dos jornalistas percebe, em alguma medida, a
interferência editorial originada de critérios não-jornalísticos (interesses
político-econômicos, por exemplo) e 74,3% já realizou pauta “recomendada”
(instrução para escrever reportagem de acordo com interesses do veículo
enquanto empresa). Apesar da cláusula de consciência contida no Código de Ética
da profissão, apenas 1,4% já se recusou a obedecer à ordem.
Os dados
revelam como a cultura organizacional das empresas jornalísticas tende a se
sobrepor a ética da própria profissão que prega a independência e a
imparcialidade. Segundo estudo desenvolvido por Warren Breed
em 1955,Teoria
Organizacional, os jornalistas seguem apáticos em relação as orientações
das chefias a fim de manter seu posto de trabalho. Seis décadas depois e a
realidade é a mesma. A pesquisa feita no Paraná aponta que 55,7% dos
pesquisados não concordam com as pressões, mas mesmo assim administram o
impasse “com cautela”, sendo que 8,5% obedecem a esse tipo de ordem para manter
emprego.
“Isto está relacionado com uma lógica de desvalorização do profissional (...). É
uma estratégia que se estabelece nas redações, por metas, por objetivos, que
leva o profissional a um processo de precarização das suas condições de
trabalho e, consequentemente, da sua própria condição de vida”, reflete
Carvalho.
Propriedade cruzada também se
relaciona com precarização
Sandra
Nodari, professora de jornalismo na Universidade Positivo, acredita que o
cenário de propriedades cruzadas da mídia está relacionado com o retrocesso das
relações trabalhistas. Nesse sentido, a jornalista relembra a compra do jornal
Tribuna do Paraná pelo grupo GRPCom, bem
como a história do Canal 4, do Grupo Paulo Pimentel, que teve importância para
o desenvolvimento do jornalismo no Estado.
Para Nodari,
a propriedade cruzada modifica não somente a linha editorial dos jornais, mas também a cultura que se tinha do fazer jornalismo. No caso da Tribuna, policial,
a partir da escola desenvolvida pelos jornalistas que viveram o jornal por
muitos anos.
“A falta de concorrência por si já é
autoexplicativa com relação à perda para o público que não tem visões
diferentes de uma mesma notícia, com interpretação e reflexão diferentes. Para
o jornalista, então, pode criar uma sensação de não mais pertencimento àquele
veículo, àquela forma de fazer jornalismo, que não tem tranquilidade de
trabalhar porque não sabe até quando o jornal continua aberto. Vai fechar no
final do ano?”, questiona Nodari.
A consequência se dá no fundamento do medo nos trabalhadores e, logo, as
doenças decorrentes do trabalho: “Todos perdem com a lógica da propriedade
cruzada. O desrespeito dos patrões para com a classe é descarado, eu mesma já
ouvi de um diretor de emissora de TV uma vez que, se um jornalista da empresa
que ele administrava entrasse na Justiça cobrando qualquer coisa, ele mesmo
diria ao juiz que a legislação que protege o jornalista é absurda. Claro, que
ele perdeu todas as ações trabalhistas movidas contra a empresa, sem nunca ter
ido a uma audiência. Mas o assédio moral sempre existiu e continua firme. Este
exemplo permite percebermos que os jornalistas são tratados como inimigos úteis
em várias redações que prefeririam pagar salários menores, sem horas extras,
por cargas horárias maiores”, reforça a jornalista que, antes de professora da
área, atuou como repórter.
Novas experiências e luta pela democratização
são fundamentais para mídia brasileira
Neste cenário complexo
de crise, faz-se necessário pensar em reformulações e isso se dá em diversas
instâncias. “A esperança que sobra é tentar pensar outras possibilidades que
sejam menos dependentes ou vulneráveis a esse tipo de situação. Acho necessário
apostar em jornalismo alternativo, grupos de jornalistas que se organizam para
produzir conteúdos, temos casos bem legais que já apontam para essa
possibilidade de sustentação. Isso, de algum modo, é um alento, precisamos
pensar essas alternativas e como sustentá-las financeiramente”, aponta Carvalho.
Porém, para
além das pequenas experiências, para a diretora de formação do SindijorPR, Diangela Menegazzi, também é fundamental
pensar o jornalismo em um cenário macro. Nesse sentido, nunca foi tão
importante lutar pela democratização da mídia, pelas quebras dos monopólios.
Menegazzi afirma que a pauta é fundamental e diz respeito a todos os
brasileiros, além de a luta para existir de fato a complementariedade do
sistema (público, estatal e privado), interferir, também, diretamente no
mercado de trabalho dos jornalistas.
“Em um
cenário de fortalecimento das rádios e tvs públicas, e outras mídias
alternativas, haveria um considerável aumento de produção regional e local de
conteúdos jornalísticos, abrindo novos postos de trabalho. Vale lembrar que a
ausência de regulação dá espaço para que impere no campo da comunicação a lei
do mercado, onde os interesses políticos e econômicos de poucos grupos prevalecem
sobre os da maioria da população. Exemplos dessa censura velada são a falta de
diversidade na programação cultural e a falta de pluralidade nas narrativas
jornalísticas”, explica.
A junção das
experiências e da luta pela comunicação em sentido micro e macro são as que
conseguirão garantir ao público a chegada de informações plurais,
representativas, com apuração de notícias qualificadas que se atentem as
questões sociais. “Sem o jornalismo não saberíamos o que realmente vivemos
hoje. Somos importantes e não há quem ou o que substitua o trabalho do
jornalista. Temos de continuar utilizando a reportagem como forma de nos
comunicarmos com o mundo, mas, claro, falo das boas reportagens”, reflete
Nodari.
Mas aí voltamos ao ponto de partida, para garantir uma boa reportagem são necessárias
boas condições de trabalho e para alcançar essas boas condições são necessárias
mudanças estruturais nas relações entre patrões e jornalistas. Estão dados os
desafios e não há respostas objetivas para suas resoluções. Mas para o
diretor-presidente do SindijorPR, Gustavo Vidal, há três caminhos que, necessariamente, já devem
ser percorridos ao mesmo tempo e com a mesma força:
“Um deles, é a organização e luta dos trabalhadores jornalistas, só com unidade
é que teremos força para enfrentar o que necessário para termos qualidade e
estabilidade de trabalho e de vida, principalmente quando pensamos nos espaços
que tradicionalmente os jornalistas vem ocupando, as grandes redações; e os sindicatos
são um espaço para essa união. O outro é a luta pela democratização da mídia,
para que possamos reformular os espaços de monopólio. E, por último e não menos
importante, a necessidade de se reinventar, se reformular frente as mudanças
tecnológicas, e também frente ao cenário de instabilidade nas grandes redações,
criando novos coletivos e experiências jornalísticas. Os desafios são muitos,
mas a comunicação de qualidade não perde sua importância”, finaliza Vidal.