Sem essa de vestir a roupa de super herói ou apresentar-se como vítimas de um regime maligno imposto ao país em 1964, sob o alto patrocínio da CIA e do Departamento de Estado, no embalo da guerra fria. Nós jornalistas do Paraná, entre mortos e feridos sobrevivemos todos. Mas muitos dos nossos colegas foram banidos da profissão, porque a pecha de subversivo, uma vez dedurada por alguém ou farejada por um tira boçal era definitiva. Qualquer um podia ser arrolado como subversivo que recebia ouro de Moscou. Um bando de traidores da pátria e ponto final.
Corria o ano de 1963 e quem trabalhava em jornal era obrigado a andar engravatado. Salário compatível ao dos garis da Prefeitura, que pelo menos tinham uniformes, botas, capa de chuva e uma boa merenda. Não havia carro do jornal e o reportariado tinha que andar a pé para cumprir as suas tarefas. A Última Hora era exceção: pagava um pouco mais, tinha condução, grande circulação e um senso crítico que não existe mais. Foram os esquerdinhas da Última Hora que bolaram a greve daquele ano, lembrada até hoje pelos macróbios ainda vivos. Não muito vivos aliás. Adherbal Fortes que era uma das estrelas da Última Hora deu o mote: “Jornal paga mal” e isso foi rabiscado com tinta vermelha nas páginas de jornais com data vencida e espalhados pela cidade. Adesão total em Curitiba e só. Reivindicamos 37% de aumento salarial e conseguimos 17%. Foi pouco, mas foi uma vitória.
UH, Gazeta, Diário do Paraná, Tribuna e Estadinho, Diário Popular e Diário da Tarde não circularam e a cidade ficou sem os jornais nacionais por artes da liderança, representada por Samuel Guimarães da Costa, Mazza, Jairo Régis, José Augusto Ribeiro e outros. Saíram apenas umas duas edições do Jornal da Greve, feitas na redação e oficinas do Diário Popular, cedidas de boa vontade pelo seu proprietário Abdo Aref Kudri. E aí foi aquela pauleira em cima dos empresários e a conclamação para que todos ingressassem no Sindicato dos Jornalistas para lutar por condições dignas de trabalho
Intervenção
Final de janeiro ou início de fevereiro de 1964, vitória acachapante da chapa dos ditos subversivos, com mais de 80% dos votos. Euforia, agora vamos, jornalista deve ser bem pago, etc. Veio o golpe em 31 de março e nos primeiros dias de abril o presidente eleito Milton Cavalcanti e toda diretoria e conselho fiscal foram cassados, por ordem do general Alberto Massa, recém nomeado delegado regional do Trabalho. A nova ordem era não mexer com os sindicatos apelegados, destituir e processar os agitadores. Estes eram os portuários de Paranaguá, os bancários e os jornalistas. Foi um vexame total, pois a junta governativa foi constituída pelos “cabeças” da chapa derrotada, Danilo Côrtes, Vinícius Coelho e Enoc Lima Pereira. Os dois primeiros enviaram um ofício ao comando da 5ª Região Militar, dedurando como comunistas atuantes os membros da diretoria deposta e outros jornalistas.
Seguiu-se o erradamente denominado IPM (Inquérito Policial Militar) da Última Hora. Indiciados 21 réus da UH e de outros jornais, com acusações de tentativa de reorganizar o Partido Comunista e de afrontar a segurança nacional entre outras aberrações. O IPM durou quatro anos e todos os réus foram absolvidos por decisão do Tribunal Superior Militar, graças a brilhante e corajosa defesa de uma aguerrida equipe de advogados, liderados por René Dotti. Enquanto isso vários jornalistas foram presos arbitrariamente: Edésio Passos, Valmor Marcelino, Luiz Alberto Manfredine, Valmor Weiss e Aloísio Palmar. Este era da Dissidência do PC em Niterói, que depois intitulou-se MR-8 e veio ao Paraná com a idéia de criar um impossível foco revolucionário no Oeste do Paraná. Foi torturado no interior do Parque do Iguaçú, em vários quartéis militares, no DOPS e na Polícia Federal. Valmor Weiss era do movimento dos sargentos, promovia reuniões suspeitas e redigia a coluna Plantão Militar na Última Hora. Ficou hospedado mais de um ano em uma cela fétida da Prisão Provisória de Curitiba, incomunicável, e perdeu a conta de quantas vezes foi torturado.
Anos de chumbo
Os militares apoiados por banqueiros nacionais e estrangeiros e grandes industriais de S. Paulo que contribuíam com altas somas para sustentar a ditadura, pisotearam a ordem jurídica, implantaram atos institucionais e improvisadas reformas constitucionais. As pessoas eram presas, torturadas ou eram “desaparecidas”. Tomaram o poder com um assoprão, sem nenhuma resistência, pois o movimento universitário e o nacionalismo que cresciam a olhos vistos, não estavam preparados para enfrentar a prepotência do regime. A esquerda fragmentou-se em dezenas de agrupamentos medíocres, quando deveriam unir-se para lutar pelo restabelecimento do estado de Direito. Só dez anos depois a OAB e o chamado clero progressista começaram a articular-se, reforçando a única resistência que havia, sob a liderança da UNE e suas afiliadas nos estados.
No Paraná houve centenas de prisões, desde a caricata guerrilha do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório em 1965, à ridícula repressão a um grupo de 13 intelectuais, acusados de ensinar marxismo a crianças de três a seis anos, quando os revolucionários de 1964 já estavam desmoralizados e repudiados pela sociedade. Renderam-se ao surgimento de comitês pela anistia, contra a censura e ao movimento das diretas já. Mas ainda tiveram forças para impor uma lei de auto-anistia, para que nenhum torturador seja obrigado a responder pelos crimes hediondos praticados ao longo de 21 anos. São fatos vergonhosos que não podem ser esquecidos.
*O artigo de opinião é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Sindijor-PR.