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ARTIGOS

Autor: Guilherme Carvalho
03/12/2015

O drama da comunicação pública no Paraná: o caso da RTVE-PR

RESUMO Apresentamos um estudo de caso da RTVE-PR, no qual levantamos dados quantitativos sobre a programação da emissora educativa. Verificamos uma redução da capacidade produtiva da emissora e aumento da reprodução de conteúdos de outras emissoras, como é o caso da TV Cultura, que ocupa 29% da grade de programação da RTVE. Também observamos aspectos qualitativos da programação, nos atendo não às questões técnicas, mas ao conteúdo, onde identificamos o descumprimento do princípio básico do jornalismo de independência editorial nos programas noticiosos, marcados pela ausência de pluralidade de opiniões e pelo reforço às fontes de informação oficiais, sendo o próprio governador um dos mais requisitados.


Introdução A Rádio e Televisão Educativa do Paraná (RTVE-PR), com sede em Curitiba, também conhecida atualmente como É-Paraná, é uma emissora estatal criada em 1987. Ao longo de sua existência seu funcionamento foi marcado pelo uso de sua estrutura para atender aos interesses político-partidários, institucionais e pessoais dos governadores que estiveram à frente do estado. No momento em que se verificam tentativas de consolidação de um sistema público de comunicação no país, por meio da criação da TV Brasil, em 2007, práticas como as que vêm sendo exercidas na RTVE-PR ficam mais sujeitas a questionamentos.


Principalmente a partir do aprofundamento do debate sobre o papel da mídia pública e sobre sua relevância para a sociedade brasileira.


Dentre as questões a serem respondidas, está a compreensão sobre o que é mídia pública, procurando entender a noção de “público” em uma sociedade marcada pelo autoritarismo de governos e por uma concepção distorcida sobre o papel do Estado. Nesse cenário, é preciso verificar quais veículos podem ser enquadrados na condição pública. Em sua maior parte, a literatura acadêmica brasileira do campo das Comunicações, por exemplo, tem classificado as emissoras educativas como públicas ou possivelmente públicas. Nossa pesquisa pretende contribuir para este debate partindo de uma pesquisa, ainda em andamento, que tem como objeto de estudo a Mídia Pública. Apresentamos um estudo de caso da RTVE, no qual levantamos dados quantitativos sobre a programação da emissora, procurando demonstrar que o aparelhamento da emissora para fins particulares anda pari passu com uma redução da sua capacidade produtiva, marcada pelo pouquíssimo tempo dedicado para as produções locais e pela extensa reprodução de conteúdos de outras emissoras, como é o caso da TV Cultura, que ocupa 29% da grade de programação da RTVE.


Também observamos aspectos qualitativos da programação, nos atendo não às questões técnicas, mas ao conteúdo, onde identificamos o descumprimento do princípio básico do jornalismo de independência editorial nos programas noticiosos, marcados pela ausência de pluralidade de opiniões e pelo reforço às fontes de informação oficiais, sendo o próprio governador um dos mais requisitados. Destaca-se ainda a pouca atenção dada à diversidade da cultura regional e para sua natureza educativa.


Nosso estudo também traz uma análise histórica do desenvolvimento das emissoras educativas do Brasil, com atenção especial à RTVE, para buscar, essencialmente, os problemas atuais enfrentados pela emissora. Por fim, apontamos nas considerações finais aquilo que identificamos como propostas fundamentais para aproximar a emissora dos fins públicos.


Sistema de comunicação no Brasil e as “educativas”


No Brasil, o sistema de comunicação consolidou-se tardiamente, antes mesmo de uma lógica competitiva de mercado. Sendo assim, o sistema nacionalizado de satélites e cabos, não poderia contar com investimentos privados. “O sistema de redes, condição essencial para o funcionamento da indústria cultural, pressupunha um suporte tecnológico que no Brasil, contrariamente ao dos Estados Unidos, é resultado de um investimento do Estado” (Ortiz, 1994, p. 118).


Assim, tem-se naturalizado que o sistema público de comunicação no Brasil deve ser concedido para exploração da iniciativa privada. A partir do ideal de Estado-nação, o governo brasileiro deveria promover as condições para que se realizasse uma arena pública de debate – financiando e comprando tecnologia – mas, naquele período (1960-1970), ao mesmo tempo em que exercia um forte controle por meio da censura aos conteúdos exibidos, concedia-se a exploração do sinal para empresários que demonstravam alinhamento ideológico com o governo militar.


Ortiz (1994) demonstra que o governo tinha um forte interesse na expansão dos meios de comunicação brasileiros para que pudesse promover a “integração nacional”. À primeira vista, ao receber uma concessão pública para exploração do sinal, qualquer emissora estaria apta a realizar aquilo que o Estado não fez, portanto, deveria atuar como promotora dos interesses públicos e compor um aparente sistema público. Mas a estruturação desse sistema pautase, no entanto, pela demanda do consumo e não pela promoção da cultura local ou do popular. Nessas condições, imperam produções que seguem as razões do mercado, legitimadas pela perspectiva superficialmente política e nacionalista, e que formam uma ideia distorcida para os próprios brasileiros do que é cultura e do que é nação (Ortiz, 1994).


A ação do Estado em relação aos meios de comunicação ganhou força com a crise econômica de 1973, marcada pela recessão em países periféricos e o questionamento social que se exercia contra os regimes autoritários. Na emergência de demandas que propunham o fortalecimento das relações entre os países da América Latina, surge uma proposta de “nova ordem mundial da informação e da comunicação” na qual os meios de comunicação de massa deveriam ser encarados como


fundamentais na mobilização da opinião pública para respaldar as decisões dos dignatários governamentais, principalmente nos regimes democráticos, onde muitas vezes as campanhas orientadas por monopólios de difusão massiva podem seduzir multidões para comportamentos politicamente equivocados, produzindo repercussões que quase sempre inibem a atuação dos governantes ou os induzem a retroagir em questões de evidentes interesses nacional e popular, habilmente manipuladas pelos persuasores profissionais a serviço de grupos privilegiados ou de interesses externos (Melo, 1989, p. 16).


A comunicação, portanto, passaria a ser encarada como questão de soberania nacional.


Não por acaso, a legislação do Brasil, no que diz respeito à comunicação, passa a impedir investimentos estrangeiros em meios de comunicação1 . O investimento do Estado deveria ser destinado para infraestrutura e para produção de conteúdo próprio; tornar-se-ia meio para o desenvolvimento cultural, econômico e social dos países. Não obstante o sistema nacional de comunicação seja operado pela iniciativa privada, como é o caso da radiodifusão e da imprensa, a presença do aparelho estatal é ostensiva e eficiente, operando setores estratégicos que vão das telecomunicações e da informática até as novas tecnologias de fibras óticas, pacotes de dados, antenas para captação de sinais de satélite (Melo, 1989, p.35).


Os governos militares brasileiros garantiriam na lei a existência de canais de rádio e televisão, mantidos pelos estados e municípios. Surgem, então, as emissoras “educativas”. A lógica dessas emissoras, criadas a partir do Decreto Lei 236, de 28 de fevereiro de 1967, é o da formação de um contingente populacional com baixa escolaridade que pudesse atuar nas cidades grandes do país que viviam um intenso processo de industrialização (Valente, 2009). Aparentemente, a intenção era preparar o máximo de pessoas possíveis, em menor tempo, para atuar no novo mercado de trabalho que se constituía no país. A iniciativa propunha a substituição da sala de aula para aperfeiçoar alunos e professores. Nesse sentido, não visavam a competição pela audiência. Por outro lado, as “educativas” tinham ainda menor autonomia editorial. Constituíam-se como emissoras dos estados, portanto, estatais, mas com poucas possibilidades de diversificação de conteúdos e pluralidade de opiniões.


A primeira emissora educativa a entrar no ar foi a TV Universitária de Pernambuco, em 1967. Entre 1967 e 1974, surgiram nove emissoras educativas por meio do Decreto-lei 236/67. A lei assinada pelo então presidente Castello Branco, passou a prever no Código Brasileiro de Telecomunicações, criado em 1962, a possibilidade de concessão de canais para União; Estados, Municípios; Universidades; e Fundações, desde que se destinassem “à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates. [...] (E considerando que) A televisão educativa não tem caráter comercial, sendo vedada a transmissão de qualquer propaganda, direta ou indiretamente, bem como o patrocínio dos programas transmitidos, mesmo que nenhuma propaganda seja feita através dos mesmos” (Decreto, 2015).


Seguindo a política governamental para as rádios e televisões educativas do país, em 1972, o Ministério da Educação (MEC) criou o Programa Nacional de Teleducação (PRONTEL) com o objetivo de coordenar as atividades de teleducação no país. Até o final dos anos 1980, as rádios e televisões educativas contavam com conteúdos inteiramente produzidos sob supervisão do Ministério da Educação, administrado pelo Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa (SINRED) (Fradkin, 2015). Com a revisão da legislação a partir dos anos 1990, as emissoras educativas passaram a operar com maior autonomia em relação ao Governo Federal, mas não em relação aos governantes.


As brechas na legislação, ampliadas pela nova conjuntura que beneficiava os interesses privados, fez com que as emissoras educativas do país herdassem o modelo institucional, facilitando o uso para o atendimento de interesses político-partidários, sem que concorressem com os interesses privados. Assim, não era política de Estado constituir emissoras que disputassem audiência com as emissoras privadas. Ao contrário, as estatais atuavam (e ainda atuam em sua maioria) com baixa qualidade de conteúdo e pouca produção própria, relegadas a canais inexpressivos ou com baixíssima audiência.


“O atual modelo descende diretamente do período autoritário, cuja finalidade era assegurar, por meio da imagem eletrônica, a integração nacional no plano do imaginário, deixando de lado o contraditório, a pluralidade, a discordância” (Bucci, 2015). Ou seja, o cenário atual ainda é frágil em relação às condições para a estruturação de um sistema de comunicação voltado para atender aos interesses públicos. O uso das concessões de TV como “moeda de troca” entre o governo, políticos e empresários, prática conhecida como “coronelismo eletrônico”, que garantiu verdadeiros impérios da comunicação como a Rede Globo, ainda é utilizada no país2 .


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Articulista: Guilherme Carvalho
Professor doutor da Universidade Federal do Paraná e do Centro Universitário Internacional, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor).
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