Cerca de 140 jornalistas de 16 estados brasileiros e 12 países da América Latina, se reuniram virtual e presencialmente, no auditório Vladimir Herzog do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, neste mês, para protagonizar um feito inédito no movimento sindical da categoria no país: o 1º Encontro Nacional de Mulheres Jornalistas (EMJor). Na pauta, além das particularidades do trabalho das mulheres jornalistas, foram debatidas a violência de gênero no jornalismo, a urgência da perspectiva de raça, gênero e classe na atividade jornalística e questões relativas à desigualdade salarial e à precarização no trabalho.
Quatro jornalistas e uma estudante de jornalismo representaram o Paraná presencialmente na atividade: a conselheira fiscal do SindijorPR Paula Zarth Padilha, a diretora de Defesa Corporativa do Sindicato Aline Rios, a diretora de Assuntos Jurídicos do Sindijor Norte PR Cecília França, a presidenta eleita do SindijorPR, Aline Reis, e a estudante de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR), Beatriz Mangili.
Entre os resultados diretos da atividade estão a redação da Carta de São Paulo, um manifesto queorientará as ações dos 31 sindicatos de jornalistas do país, inclusive no campo das negociações coletivas de trabalho,a criação de um Protocolo de Prevenção e Ação contra a Discriminação, Assédio e Violência no Trabalho Jornalístico e, também, de um grupo de trabalho nacional para acompanhar e dar sequência às ações discutidas no EMJor.
O evento, promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), contou com três painéis: “Ser mulher jornalista no Brasil e na América Latina”, “Violência de gênero no exercício do jornalismo” e “Por um jornalismo com perspectiva de gênero, raça e classe”.Zuliana Lainez, da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), apresentou dados e casos de violência de gênero direcionadas a jornalistas latinoamericanas e caribenhas e expôs as consequências nefastas desses ataques para as profissionais e para o jornalismo. Ela destaca que, a despeito de o jornalismo ser uma profissão feminina na América Latina, a equidade não se estende aos cargos diretivos. “Se olhar nos cargos de direção, as mulheres são anuladas; não chegam a 10% nos veículos de alcance nacional”.
“As ameaças contra as mulheres afetam diretamente a liberdade de expressão, além de limitar a pluralidade de vozes de mulheres”, adverte. Zuliana ressaltou ainda a situação das mulheres trabalhadoras da imprensa na América Latina e Caribe, destacando a necessidade de visibilizar as particularidades dos ataques direcionados às mulheres no exercício da profissão.
Segundo os dados expostos por Zuliana, a violência contra as jornalistas sempre enfatiza aspectos físicos, relacionados à sexualidade, aparência pessoal, com o agravante de muitas vezes incluírem ameaças de morte e violação sexual, se estendendo também à família dessas mulheres.
Citando a pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 (UFSC), a presidenta da Fenaj Samira de Castro expôs que as mulheres representam 51% da força de trabalho no jornalismo, mas apesar de serem mais escolarizadas do que os homens, muitas estão fora da mídia propriamente dita. Outro aspecto é a falta de diversidade na profissão, já que 68% das jornalistas são brancas. “Nós precisamos enfrentar as desigualdades, violências e todos os tipos de assédio que sofremos juntas, inclusive realizando a disputa política dentro dos nossos sindicatos. Precisamos de mulheres nas direções, mas não em funções figurativas ou simbólicas, mas em cargos de tomada de decisão”, expressa.
Além das ações relacionadas diretamente às negociações coletivas e em torno da construção do protocolo de Prevenção e Ação contra a Discriminação, Assédio e Violência no Trabalho Jornalístico, Samira expôs que os Sindicatos devem constituir suas Comissões Estaduais de Mulheres Jornalistas e promover atividades de formação com perspectiva de gênero e antirracista, rodas de conversa e ainda, editar materiais relacionados a esses temas. “Precisamos começar a promover esses esforços, iniciando por coisas simples e básicas, para romper a naturalização das violências e o silenciamento de mulheres”, expressa.
O jornalismo não pode ser silenciado e nem excludente
A presidenta da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Kátia Brembatti, expôs que os ataques contra jornalistas vêm crescendo recentemente e têm sido cada vez mais direcionados para grupos específicos dentro da profissão. Ela cita episódios como os atentados de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, quando 45 casos de violência física contra jornalistas foram denunciados, e o avanço da violência digital, que tem as mulheres como alvos preferenciais. Ela comenta os impactos práticos disso.
“Algumas desistem da profissão; outras desistem de falar de determinados temas; outras mudam de área”, elenca.“Como consequência disso, o jornalismo é enfraquecido. A autocensura [quando se deixa de reportar algo ou o faz de maneira restrita por temer represálias] é prejudicial à sociedade e gera reflexos na forma de informar às pessoas”, expõe, ressaltando a urgência de adoção de medidas, incluindo canais de denúncia, políticas públicas e protocolos.
Charlene Nagae, do Instituto Tornavoz, citou o exemplo do assédio judicial e das ações na justiça que além de desvirtuar a atividade do judiciário, penalizam jornalistas. “Essa é uma forma de silenciamento muito estruturada. Jornalistas muitas vezes precisam parar a vida para se defender em processos”, observou, acrescentando que vem ocorrendo um aumento das ações com efeito silenciador no país. O Tornavoz oferece assistência jurídica gratuita e contribuição técnica para jornalistas vítimas de assédio judicial.
A jornalista Schirlei Alves, que enfrenta ações na justiça em consequência da cobertura do caso Mariana Ferrer e que inclusive chegou a ser condenada, em primeira instância,à prisão e ao pagamento de R$ 400 mil em indenizações, expôs como a jornada para se defender nos processos vem produzindo impactos financeiros, profissionais e psicológicos. “Enfrentei dois meses ininterruptos de mensagens de ódio nas redes sociais, tive medo de sair de casa, fiquei muito assustada e sem saber o que fazer”, relata, observando a importância das redes de apoio, especialmente às e aos jornalistas independentes.
Priscila Chandretti, jornalista de Minas Gerais, expôs que as pautas debatidas no encontro são de toda a categoria. “Precisamos de organização permanente, pois enquanto mulheres jornalistas, falamos além de nós mesmas, já que o nosso trabalho envolve um direito da população. O retrocesso quanto aos direitos dos trabalhadores prejudica mais as mulheres, expulsa as mães do mercado de trabalho e implica em outras violências”, expressa.
Autora do livro Discursos de ódio contra negros nas redes sociais, Luciana Barreto destacou que as pessoas têm sido silenciadas e massacradas pelo que ela chamou de “racismo não tão sutil”. “As pessoas vão saindo dos espaços, da profissão, porque além dos nossos problemas de gênero, temos ainda o problema do ódio por raça nas redes sociais e também no jornalismo brasileiro. Precisamos olhar para a questão de gênero, mas também para a questão de raça em perspectiva”, adverte, observando que as mulheres negras, independentemente de matérias específicas, são alvos diários dos autores de discursos de ódio nas redes.
Paraná trabalhará para tirar ações do papel
Além de participar do 1º EMJor, as dirigentes sindicais do SindijorPR e do Sindijor Norte PR voltaram para o estado com a missão de desenvolver as ações práticas debatidas na atividade. Para a diretora de Defesa Corporativa do SindijorPR Aline Rios, além de pautar a transição de gestão na direção do Sindicato, o Encontro também implica em compromissos. “Temos a responsabilidade de, a partir de tudo o que discutimos, levar as demandas para a mesa de negociação coletiva e para as redações. Os problemas que enfrentamos são sérios e exigem medidas urgentes e efetivas”, diz.
“Durante o encontro de mulheres jornalistas foi emocionante e notório ser parte dessa construção coletiva que visa a proteção e o apoio às profissionais contra ataques recebidos no exercício da profissão. Compartilhamos experiências, fala e escuta com profissionais jornalistas de diferentes territórios e de diferentes gerações e impressiona como os problemas enfrentados não foram superados nesse avanço das décadas, mas sim acentuados”, afirma Paula Zarth Padilha, conselheira fiscal do SindijorPR.
A presidenta eleita do SindijorPR, Aline Reis, foi celebrada junto a outras mulheres jornalistas negras que ocupam espaços de poder nas entidades sindicais. Aline e Valdice Gomes, diretora da Secretaria de Combate ao Racismo da Fenaj e coordenadora da Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), foram homenageadas, no último dia 11, também em São Paulo, como jornalistas negras mais admiradas da imprensa brasileira.
“O jornalismo precisa ser inclusivo e as entidades sindicais precisam representar a realidade dos trabalhadores e trabalhadoras. Ocupar esse espaço de primeira negra a assumir a presidência do SindijorPR é uma oportunidade que toda a categoria tem de olhar para outras frentes, sobretudo no que tange ao trabalho de grupos minorizados”, avalia Aline Reis.
Cecília França, diretora de Assuntos Jurídicos do Sindijor Norte PR, resgatou dados produzidos em pesquisa de 2023 pelos sindicatos do Paraná para enfatizar a necessidade de protocolos que garantam segurança e acolhimento às mulheres no exercício do jornalismo. “Das 50 mulheres que responderam à pesquisa, 42 relataram já ter sofrido assédio sexual ou moral de superiores hierárquicos, fontes ou clientes, e apenas 11 realizaram alguma denúncia. O encontro deixou claro ser este um problema de todas as regiões do país, mas também indiciou caminhos importantes. A pauta de gênero e raça precisa permear nossa atividade sindical, inclusive nas mesas de negociações com patronais”, acredita.
No encerramento do encontro, o SindijorPR se candidatou a sediar a próxima edição do EMJor, considerando que o Encontro Nacional de Mulheres Jornalistas foi criado de forma a incorporar o calendário anualde ações da Fenaj e deve ser realizado a cada pelo menos dois anos.
*Este texto é fruto da construção coletiva realizada pelas jornalistas Aline Reis, Aline Rios, Cecília França e Paula Zarth Padilha.