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29/01/2019

Dia da Visibilidade Trans traz reflexões para a imprensa

Arte: Ctrl S Comunicação


Se pudéssemos resumir a luta das pessoas trans (população que reúne travestis e homens e mulheres trans) no Brasil em apenas uma palavra possivelmente seria “desafiadora”. Assumir-se como trans em um país conservador, marcado pelo preconceito, não é tarefa das mais fáceis. Por conta disso, o dia 29 de janeiro ficou marcado como o Dia da Visibilidade Trans, cujo objetivo é o de batalhar pelos direitos desta minoria.


A data em questão foi escolhida porque no dia 29 de janeiro de 2004 cerca de 27 travestis, homens e mulheres trans foram até o Congresso Nacional em Brasília (DF) para lançar a campanha “Travesti e Respeito”, sendo a primeira campanha nacional idealizada pelos trans para promover o respeito e a cidadania desta população. Desde então, a data vem sendo comemorada.


O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (SindijorPR), que tem o comprometimento de encampar diversas campanhas, principalmente das minorias, apoia esta data e ressalta a importância da mesma. “Estamos no país que mais mata pessoas trans no mundo. Os dados são da ONG Transgender Europe (Tgeu). E isso, com toda a certeza, é só um pedaço do todo - já que as dificuldades de contabilizar esses crimes de ódio são inúmeras. A nós jornalistas cabe a verificação dos dados, o respeito ao nome social (que é uma conquista e um direito), o cuidado com o uso de artigos na hora de hora de escrever e também colocar em pauta que transexualidade não é doença”, conta a diretora de cultura e eventos do SindijorPR, Annelize Tozetto.


A diretora do SindijorPR lembra que tratar as minorias de forma digna é uma obrigação do jornalista. “O código de ética dos jornalistas também fala de defesa dos direitos humanos. E nós nunca podemos tirar isso do horizonte já que falamos de uma minoria super invisibilizada”, salienta.


Trans x Imprensa


Foto: Verônica Rodrigues.


“Ainda que tenha ocorrido uma melhora nos últimos anos, há muito caminho pela frente para que nós possamos ser realmente chamados de civilização”. A frase, de autoria da atriz, dramaturga, performer, curadora e diretora teatral do grupo Selvática, Leonarda Glück, mostra que os jornalistas brasileiros ainda precisam melhorar o tratamento dispensado para as pessoas trans.


Um ponto em que Glück chama a atenção é o de que a imprensa sempre tratou trans com certo desdém, mas que isso está mudando. “Por muitos anos o trabalho da imprensa envolvendo pessoas LGBTQI+ foi o de ignorar os apelos dessa comunidade e apresentá-la como bem queriam, ou seja, em geral sempre da maneira errada, cheia de estigmas. Eu acredito que hoje a imprensa está mais aberta para a autodeclaração, que é um dos dados mais importantes da contemporaneidade. Não é a imprensa que decide a identidade do sujeito: é o próprio sujeito. O papel da imprensa é apenas o de noticiar”.


A artista revela como seria uma maneira correta de os profissionais da imprensa abordarem assuntos das pessoas LGBTQI+. “Ouvir o modo como os entrevistados se autodeclaram, bem como respeitá-los dessa forma, é a primeira coisa que eu sugeriria. Eu também sugeriria tratar da sexualidade dos entrevistados apenas quando este for assunto imprescindível na matéria. Se não, o interessante seria focar realmente no assunto em pauta, e não tentar criar caso entre o assunto em pauta e a sexualidade do entrevistado. A imprensa brasileira é muito sensacionalista, prefere muitas vezes “causar” do que esclarecer questões para uma população tão distanciada da educação, do conhecimento e da cultura. Se os profissionais da imprensa preferem cliques e repercussões mais rápidos, o ideal seria que abandonassem a profissão e fossem tentar outra área, talvez acompanhar carreiras de celebridades ou algo que o valha. Jornalismo de verdade é coisa séria e lida com vidas e sentimentos de verdade, sendo, portanto, uma profissão mais digna de nobreza do que muitos tem conseguido realizar”, opina.


Glück também reclama do preconceito dos jornalistas com as pessoas trans. Ela cita, por exemplo que a imprensa gosta muito de divulgar o nome civil do sujeito trans em situações trágicas (assassinato, suicídio, entre outros), e dá pouca importância para o nome social sob o qual a própria pessoa escolheu viver, nome pelo qual a pessoa era conhecida, inclusive. “Falta empatia e como isso será benéfico se a imprensa não se coloca no lugar do outro? Há muitos jornalistas, por exemplo, que utilizam nomes artísticos e que quando morrerem serão assim referidos, por serem conhecidos mais largamente dessa forma. Alguém vai lá colocar o nome civil do sujeito morto? Então eu acho que, assim como o resto da humanidade, a imprensa ainda tem muito a aprender. Principalmente se ela se pretender humanitária, preocupada com as questões humanas”, reclama.


Transfobia


Uma questão abordada por Glück – e que a deixa preocupada – é com a violência sofrida por estas pessoas. Ela afirma que ainda é necessário explicar que as pessoas têm direito à vida e que ninguém pode ser excluído, agredido ou morto por ser “diferente”. “Ainda que a população venha compreendendo as pessoas trans, continuamos com índices de violência muito altos. Nosso país ainda tem muito a aprender sobre liberdade e fraternidade, conhecimento ainda não é uma prioridade para nós e isso emperra muito do nosso crescimento como nação”, lamenta.


A preocupação de Glück faz sentido. Um levantamento da Transgender Europe revelou que entre 2008 a 2015 foram registrados 802 assassinatos de pessoas trans no Brasil. Porém, o número pode ser ainda maior uma vez que, segundo a ONG, o levantamento não é totalmente confiável, pois muitos crimes acabaram entrando como casos de homofobia. Em 2016, a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans) passou a monitorar os casos, chegando na impressionante marca de 147 assassinatos de pessoas trans. 

Autor:Flávio Augusto Laginski Fonte:SindijorPR
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