ARTIGOS
Jornalismo é impraticável sem democracia; democracia não é concebível sem jornalismo. Exatamente pelo compromisso com a democracia, o jornalismo tem dever de defender a ampliação dos direitos civis das minorias, como lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros, contra toda forma de fobia contra estes segmentos. É o mesmo compromisso com os direitos dos negros e das mulheres, mas no caso da comunidade LGBT é um compromisso mais urgente, porque estes segmentos começaram mais tardiamente a lutar por direitos. É isso não é voluntarismo: esta na cultura, nos valores do jornalismo e no nosso código de ética.
Jornalisno e democracia tem a ver com os interesses da maioria da sociedade. Em Jornalismo dos anos 90, Luís Nassif escreve: “Dos anos 50 a meados dos anos 60 o jornalismo foi refém dos partidos políticos. De meados dos anos 60 ao final dos anos 70, refém da ditadura. Nos anos 80, refém dos movimentos organizados. Em final dos anos 80 descobriu sua verdadeira vocação em uma sociedade de mercado moderna: ser representante dos interesses difusos da sociedade, contra os interesses políticos, corporativos e setoriais”.
Os interesses difusos podem ser traduzidos pelos interesses gerais da sociedade, contra interesses minoritários. Em Jornalismo político, Franklin Martins advogada a mesma causa: o primeiro compromisso de um jornalista é com a sociedade. Por isso, ele não defende interesses minoritários contrários aos interesses da maioria.
Este valor está também no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. No artigo 6º, inciso X, isso fica explícito. Ele diz que é dever do jornalista: “defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito”. O direito do cidadão, o compromisso com a sociedade, os interesses difusos: a defesa da maioria da sociedade, valor fundamental de uma democracia e do jornalismo.
Adiante a leitura e você encontrará, porém, no mesmo artigo, inciso XIV, exatamente o compromisso com interesses de minorias. É dever do jornalista também “combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza”.
E não há contradição. Os interesses minoritários ilegítimos, aqueles a que o jornalismo não deve se vincular jamais, são os que afrontam os direitos da maioria: privilégios, como os do judiciário, ganhos oriundos de corrupção de grupos econômicos, lucros abusivos e até mesmo o descompromisso de servidores públicos. Nisto tudo se materializa a maioria, os direitos difusos, no jornalismo e na democracia.
Mas conceber a democracia apenas pela maioria é concebê-la como um sistema autoritário, é o fundamento do antissemitismo, por exemplo: a maioria pode impor sua vontade à minoria. Esta concepção de democracia está excluída, pela razoabilidade e pela história. Incluir as minorias, ampliar direitos é o caminho inevitável das democracias e as caracterizam. Ao longo do tempo, pobres, negros, mulheres e jovens adquiriram o direito de votar e políticas específicas. A igualdade na democracia se aplica às condições materiais e aos deveres e direitos perante o Estado, mas não pode ser confundida com a ausência de política de Estado para os menos favorecidos, para os segmentos com maiores necessidades e com menores direitos.
As diferenças fazem parte da democracia como elemento componente: diferenças culturais, religiosas, étnicas, sexuais, etc. Apenas quando a sociedade for igual e diferente ela terá realizado sua missão democrática. Até lá, o Estado, os cidadãos e o jornalismo devem lutar pelos direitos difusos e pelos direitos específicos, como complementares.
Não faz sentido calar diante de ataques à democracia, diante de homofobia ou diante de machismo e violência contra as mulheres. Assim como jornalistas esportivos condenam, unanimemente, manifestações de racismo no esporte, jornalistas em geral devem condenar qualquer ataque à democracia, da maioria ou da minoria. O jornalismo não deve ter causa, exceto uma: a prórpia democracia, sua base, sua irmã gêmea.
Mário Messagi. Jornalista, professor universitário e membro da Comissão Nacional de Ética do jornalistas.