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O dia 18 de novembro de 2015 marcará um acontecimento histórico para o movimento de mulheres negras. Acontecerá em Brasília a “Marcha das mulheres negras: contra o racismo, a violência e pelo bem viver”, com a estimativa de participação de mais de 20 mil mulheres negras de todo o país. Desde o dia 16 de novembro várias ações, como rodas de conversa, agendas com representantes dos poderes públicos, estão acontecendo em diversos pontos da capital do país.
Desde 2011 a
mobilização em torno da realização da Marcha das Mulheres Negras, movimentou
mais de 500 mil mulheres negras, movimentos sociais e organizações da sociedade
civil, pelo país durante quatro anos de intensas atividades, oficinas,
palestras e grandes jornadas políticas e culturais em torno das demandas que
atingem a vida dessas mulheres. A realização de uma marcha, idealizada e
protagonizada por mulheres negras, certamente representa o quão a luta dessas
mulheres tem se fortalecido pelo Brasil.
Apesar das mulheres
negras representarem o maior grupo populacional, no que refere ao mercado de
trabalho, por exemplo, mulheres negras recebem 56,3% do que recebem homens
brancos com o mesmo grau de escolaridade (IBGE/2014). A taxa de analfabetismo é
dobro entre população negra e população branca. A taxa de femicídio mostra que
a violência contra as mulheres negras tem se acentuado nas últimas décadas,
levando em consideração que o número de homicídios de mulheres brancas caiu
enquanto a taxa de assassinato violento de mulheres negras cresceu no mesmo
período (Mapa da violência/2013).
Os
imaginários construídos sobre o corpo das mulheres negras no Brasil, sempre
esteve relacionado como um lugar de permissão. Objetizado e coisificado, este
corpo negro ficou sujeito a todas as formas de violação de direitos (latu sensu) ****. O que no início do
processo escravagista colonial representava a violência sexual, física,
cultural, permanece nos dias atuais, quando as desigualdades raciais e de
gênero continuam como fatores determinantes no que tange ao acesso a direitos.
As
mulheres negras também fizeram parte do processo de luta que culminou com a
abolição da escravidão, porém foram invisibilizadas nas narrativas sobre a
sociedade brasileira e na historiografia oficial. Em reconhecimento a luta das
mulheres negras, foi instituído o dia 25 de julho, como dia Nacional de Tereza
de Benguela e da Mulher negra, através de lei aprovada em 2014.
O
sujeito feminino, defendido pela tradição feminista eurocêntrica, esteve
distante da realidade vivida por estas mulheres. A luta, neste feminismo
universalista, por inserção das mulheres no mercado de trabalho (por exemplo),
também não condizia com a realidade vivenciada por mulheres negras no Brasil,
já que estas estavam inseridas no trabalho informal, mesmo durante a
escravidão.
Dentro
do movimento negro misto (homens e mulheres), também o que se percebia era que
os valores do patriarcado e os imaginários sobre o corpo dessas mulheres também
as colocava em situação de vulnerabilidade. A erotização e mercadologização
desse corpo também estava muito presente nas práticas dentro dos espaços mistos
de mobilização.
Neste
sentido, a realização dessa marcha representa um importante passo na luta
contra o racismo, sexismo, lesbofobia e todas as formas de discriminação e
violência. A programação completa da Marcha pode ser acessada em:http://www.marchadasmulheresnegras.com/.
A
concentração para Marcha do dia 18 de novembro começa às 08:30 no ginásio
Nilson Nelson (Srpn Trecho 1, Brasília – DF, ao lado do estádio Mané Garrincha), de
onde as mulheres negras marcham para um ato simbólico e encontro com
representantes dos poderes públicos na esplanada dos ministérios.
* Michely Ribeiro da Silva, 28 anos, natural do Paraná, graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná, tem por ênfase a Psicologia Social. Atua no movimento social visando a elaboração e estruturação de políticas de saúde pública e equidade em saúde, voltadas especialmente às mulheres, populações negras, juventudes e prevenção às DST/HIV/AIDS. Está atualmente como conselheira nacional de saúde pela Rede Lai Lai Apejo - População Negra e AIDS. Atua ainda como membro da equipe de articulação da Mobilização Nacional Pró Saúde da População Negra e é filiada da Rede Mulheres Negras - PR, e integrante daArticulação de Mulheres Negras Brasileiras.