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Estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) revela que profissionais são submissos à cultura organizacional e realizam pautas recomendadas pela diretoria para manter emprego. Repórteres reconhecem prejuízo ao papel da profissão, mas demonstram indiferença.
Uma apatia consciente. Foi assim que a pesquisa “Controle editorial nas redações: estudo sobre a percepção dos jornalistas de TV de Curitiba” classificou o comportamento dos jornalistas do Paraná frente à pressão editorial presente nas redações. De acordo com os resultados, 88,6% dos jornalistas percebe, em alguma medida, a interferência editorial originada de critérios não-jornalísticos (interesses político-econômicos, por exemplo) e 74,3% já realizou pauta “recomendada” (instrução para escrever reportagem de acordo com interesses do veículo enquanto empresa). Apesar da cláusula de consciência contida no Código de Ética da profissão, apenas 1,4% já se recusou a obedecer à ordem.
Os dados revelam que, como previa Warren Breed em seu estudo desenvolvido em 1955, a cultura organizacional das empresas jornalísticas tende a se sobrepor a ética da própria profissão que, no caso do jornalismo, prega a independência e a imparcialidade. Segundo a Teoria Organizacional, repórteres e chefias estabelecem um sistema de recompensa versus punição, em que jornalistas absorvem/internalizam a orientação editorial e tendem a praticá-la a fim de manter as relações de trabalho tranquilas. Breed estava certo. A pesquisa feita no Paraná aponta que 55,7% dos pesquisados não concordam com as pressões, mas mesmo assim administram o impasse “com cautela”, sendo que 8,5% obedecem a esse tipo de ordem para manter emprego.
Por ser um assunto polêmico, pressupõe-se que os entrevistados sejam amenos na autocrítica, minimizando o impacto das pressões editoriais em seu próprio desempenho profissional. Por isso tomamos o cuidado de repetir questões em relação aos colegas de trabalho e os dados denunciaram que a análise em relação a terceiros é mais criteriosa: 40% dizem que os amigos cedem à pressão “quase sempre”.
Antes fosse só clichê
Outra conclusão importante diz respeito à autocensura. Prevendo o corte de textos inadequados à linha editorial do veículo, os profissionais tendem a antecipar a censura. Ao menos 70% já deixaram de publicar determinado assunto prevendo o corte.
Nota-se, acima de tudo, uma apatia parcial. 40% consideram as relações de poder na imprensa naturais e 27% consideram-nas naturais, porém prejudiciais à atividade; 34,2% entendem que as pressões ferem o direito do cidadão sempre; e 58% não se sentem protegidos pelos órgãos representantes.
Não é de hoje que a máxima “a mídia manipula a massa” ecoa em nossos corações e mentes. A noção de independência é fundamental para a discussão sobre liberdade de imprensa e expressão (BUCCI, 2009), sem a qual o jornalismo perde seu desempenho social e frustra o contrato com a sociedade: a prestação de serviço isento, a preocupação com o bem público e o poder fiscalizador (o quarto poder, aliás). Nesse cenário, parafraseando Eugênio Bucci em Imprensa e o Dever da Liberdade, o conceito de liberdade aparece como dever no jornalismo e não como direito. É dever do jornalista ser livre. Se não o for, não cumpre seu papel.
E não há nada de radical nisso. A imprensa livre é parte integrante do processo democrático. Todavia e embora o debate sobre a imparcialidade, objetividade informativa, isenção sejam clichês tanto quanto o conceito de “mídia”, o campo científico carece de pesquisas na área. Adota-se a pressão editorial como premissa, mas não se debate com profundidade.
Pensando nisso, realizamos junto à Universidade Federal do Paraná, com o apoio da professora e orientadora dra. Kelly Prudencio e do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, a pesquisa acima citada.
Coleta de dados
Os dados confirmam aquilo que um observador atento perceberia ao conviver nas redações: veículos públicos com interesses privados, relações promíscuas entre políticos e repórteres, anunciantes que impõe pautas às diretorias dos meios de comunicação, assessores de imprensa que compram jornalistas com brindes, jornalistas que se vendem por jantares, interesses comerciais que tomam conta da pauta do dia, derrubam reportagens relevantes e emplacam conteúdos que, nem de longe, um gatekeeperpublicaria se não fossem as artimanhas do departamento comercial que passa longe de um livro de teoria do jornalismo e não compreende o papel social dessa profissão e só consegue conceber um jornal, revista, rádio ou TV apenas como uma máquina de dinheiro. Exagero? Quase 90% dos jornalistas que responderam ao questionário admitiram conviver com esse cenário. Depois, uma das emissoras pesquisadas impediu a entrada dos pesquisadores na TV alegando que a empresa pertence a um político e que “expor isso não pegaria bem”. Outras duas emissoras fingiram que o assunto não era com elas e se negaram a responder as perguntas; tampouco incentivaram seus colaboradores a fazê-lo.
Ao analisarmos o comportamento dos jornalistas (em sua maioria jovens – 34,3% têm entre 23 e 30 anos; pois presença na redação cai conforme a idade aumenta) nota-se que o controle editorial é presente e evidente, porém não é objeto de reflexão e as relações de poder da imprensa tendem a ser absorvidas como um processo natural. Conformemo-nos: o contrato social do jornalismo está fragilizado.
Não. Não nos conformemos. Não se pode aceitar que seja assim. Pode até soar desespero ou doutrina. Mas trata-se de ética. Assim como o médico deve honrar seu compromisso em salvar vidas, em tratar doentes sem negligenciá-los ou o engenheiro deve se responsabilizar pela estrutura de um prédio nos cabe coragem para exercer nossa função com isenção, sem negociá-la por tão pouco, nem por muito. É evidente que não há problema em tratar um veículo de comunicação como uma empresa, mas é preciso respeitar sua raiz e ser transparente. Explicitem suas relações, seus anunciantes, seus grupos políticos. Não vendam a imagem de imparcialidade, independência, objetividade e isenção como mero discurso publicitário. A classe é fragilizada, desunida e ainda com complexo de vira-lata metido a pedigree. Não acreditamos na mudança, mas queremos sustentar a imagem de uma profissão de glamour, quando na verdade, estamos à beira da vergonha e muitos só querem um voucher para o jantar da semana. Uma pesquisa como esta pode não mudar, de imediato, nada em nosso cenário, mas ao menos escancara, com números e evidências nossa realidade e provoca, com pretensão, um debate a respeito rumo à mudança de clichês.
Depois de ouvir os representantes das cinco principais emissoras da capital paranaense, a pesquisa colheu a opinião de 277 jornalistas do Paraná. Os dados citados referem-se aos 70 jornalistas que ocupam cargos em cinco emissoras paranaenses.
Por Ester Athanásio - Jornalista.
*O artigo de opinião é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Sindijor-PR.