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20/03/2020

DIEESE: A pandemia do coronavírus e a anemia da economia brasileira

A aceleração do contágio do Coronavirus no Brasil ampliou o debate sobre o problema para além da perspectiva da saúde pública, incluindo os impactos econômicos e sociais provocados pela pandemia.


Após inúmeras pressões, e ainda com vários desencontros, foi lançado pelo governo federal um conjunto de medidas para lidar com a provável desaceleração da economia brasileira, já assistida em outros países. Como se sabe, o momento é extremamente preocupante, a ponto de uma das medidas profiláticas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate à doença ser o controle da circulação de pessoas, o que pode evoluir até para situações de quarentena, como observado na Itália. A economia brasileira poderá ser muito afetada, assim como a de outros países e a cadeia global de valores. O Brasil pode passar por nova recessão em 2020.


Para o Brasil, mal recuperado da recessão de 2014, com índices medíocres de crescimento econômico e altas taxas de desemprego, novo mergulho na recessão poderá causar prejuízos insuportáveis para toda a população. E as perspectivas de duração da pandemia variam de 4 meses a 2 anos, com um rastro de incertezas sem precedentes.


Basicamente são quatro os níveis de impacto do coronavírus na economia:


• Setores diretamente afetados – saúde, aviação, turismo, agropecuária, indústrias dependentes de insumos importados e setor exportador, entre outros que enfrentam queda direta de demanda.
• Setores indiretamente afetados – serviços, comércio, administração pública e educação, entre outros.
• Populações diretamente afetadas – residentes em áreas de alto contágio e trabalhadores(as) formais de setores direta ou indiretamente atingidos.
• Populações em situação precária – população de rua, autônomos, informais e outros grupos sem renda permanente e/ou sem acesso a qualquer possibilidade de obtenção
de renda.


Com esses níveis de complexidade, era esperado que o conjunto de medidas econômicas acionadas para amenizar a abrupta queda da atividade econômica contemplasse amplo e diversificado conjunto de ações e programas governamentais, sobretudo numa conjuntura de restrições fiscais impostas pela política do “Teto Fiscal” e com baixíssimo crescimento econômico.


Em primeiro lugar, como em vários outros documentos do governo de Jair Bolsonaro, o material disponibilizado é genérico, sem detalhes sobre as propostas. Coloca como “medida estruturante” as seguintes ações, todas de cunho liberal e na contramão das medidas implementadas por outros países:


• Pacto Federativo – redivisão das atribuições de Estados, municípios e a União, incluindo alterações como flexibilização dos patamares mínimos de gastos com saúde e educação, além de criar gatilhos para situações consideradas emergenciais para os entes, proibindo-os de dar reajustes, isenções fiscais, entre outros. Destrói, na prática, os principais eixos da Constituição de 1988.
• PL da Eletrobras – ou seja, a privatização da empresa, em um momento de queda severa das bolsas.
• Plano Mansueto – auxílio a estados e municípios com dificuldades fiscais, tendo como contrapartida privatizações de empresas do ente auxiliado e/ou que aderir ao Plano, redução de isenções fiscais, alteração de regime de benefícios de servidores(as), como, por exemplo, o fim da estabilidade, entre outros.


As propostas consideradas “Emergenciais” somariam R$ 147,3 bilhões, dos quais:


• R$ 83,4 bilhões para a população mais vulnerável, divididos em:


– Antecipação da segunda parcela do 13o de aposentados e pensionistas do INSS para maio (R$ 23 bilhões)
– Transferência dos valores não sacados do PIS/Pasep para o FGTS, para permitir novos saques (até R$ 21,5 bilhões)
– Antecipação do abono salarial para junho (R$ 12,8 bilhões)
– Reforço ao programa Bolsa Família: destinação de recursos para possibilitar a ampliação do número de beneficiários – inclusão de mais de 1 milhão de pessoas (até R$ 3,1 bilhões)
– Antecipação da primeira parcela do 13o de aposentados e pensionistas do INSS para abril (R$ 23 bilhões)
– Redução do teto de juros do consignado, aumento da margem e do prazo de pagamento


• Até R$ 59,4 bilhões divididos em:


– Adiamento do prazo de pagamento do FGTS por 3 meses (R$ 30 bilhões)
– Adiamento da parte da União no Simples Nacional por 3 meses (R$ 22,2 bilhões)
– Mais R$ 5 bilhões de crédito do Proger/FAT para micro e pequenas empresas
– Redução de 50% nas contribuições do Sistema S por 3 meses (R$ 2,2 bilhões)
– Simplificação das exigências para contratação de crédito e dispensa de documentação (CND) para renegociação de crédito
– Simplificação para desembaraço de insumos e matérias-primas industriais importadas antes do desembarque


• Combate à pandemia:


– Destinação do saldo do fundo do DPVAT para o SUS (R$ 4,5 bilhões)
– Redução para zero das alíquotas de importação para produtos de uso médico-hospitalar (até o final do ano)
– Desoneração temporária de IPI para bens importados que sejam necessários ao combate ao Covid-19
– Desoneração temporária de IPI para bens produzidos internamente que sejam necessários ao combate ao Covid-19
– Suspensão da prova de vida dos beneficiários do INSS por 120 dias
– Preferência tarifária de produtos de uso médico-hospitalar
– Priorização do desembaraço aduaneiro de produtos de uso médico-hospitalar


A primeira medida adotada pelo Banco Central foi a redução do compulsório dos bancos, ampliando a liquidez do sistema financeiro, sem, contudo, vinculá-la a nenhum benefício ao cidadão.


Especificamente sobre as medidas relacionadas ao Codefat, o governo, ainda que tardiamente, compreendeu a importância do Fundo de Amparo ao Trabalhador para o estímulo produtivo por meio do Programa de Depósitos Especiais (PDE). Após ter sinalizado que em 2020 repetiria o ocorrido em 2019, com a interrupção de novos recursos para as linhas de crédito do Proger financiadas pelo FAT, o governo disponibilizou R$ 5 bilhões de recursos novos para o PDE; e cerca de R$ 900 milhões em reaplicações de recursos que retornaram aos bancos com o pagamento de contratos passados. O montante tem potencial para gerar e/ou manter por volta de 24 mil empregos diretos e indiretos, segundo metodologia desenvolvida pelo antigo Ministério do Trabalho e Emprego, em conjunto com o BNDES. Serão destinados basicamente à linha de microcrédito produtivo orientado FAT-PNMPO (R$ 100 milhões), para a agricultura familiar por meio do Pronaf (R$ 1,5 bilhões) e para o Proger Urbano (R$ 3,37 bilhões).


Essa medida foi possível pelo fim da DRU – Desvinculação das Receitas da União e redução dos recursos constitucionais destinados ao BNDES (Emenda Constitucional 103, de novembro de 2019). Após um déficit de quase R$ 8 bilhões em 2019, as projeções do Ministério da Fazenda indicam que, em 2020, a receita do Fundo alcançará o montante de R$ 86,5 bilhões, com obrigações de R$ 82,4 bilhões, gerando superávit de 4,2 bilhões.


Além dessa medida, o governo propõe também que o FAT reveja o calendário do Abono Salarial (2019/2020), pagando aos beneficiários até o meio do ano, nos moldes do que era feito nos governos dos ex-presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.


A sistemática havia sido interrompida em 2016, quando se voltou a pagar a totalidade dos trabalhadores apenas no ano seguinte. O socorro deve adiantar para este ano cerca de R$ 5 bilhões que seriam pagos até o meio do próximo ano. O abono anual representa injeção de cerca de R$ 12,8 bilhões todo ano na economia.


Sobre as medidas anunciadas pelo governo, um primeiro aspecto a se destacar é a insistência, mesmo em cenário de crise de saúde pública, do ministro da Economia, Paulo Guedes, em querer aprovar a agenda de desmonte do Estado, enquanto em outros países do mundo já se discute abertamente a estatização de inúmeras empresas, como ocorrido com os hospitais privados na Espanha. A insistência nessa pauta demonstra a completa ausência de uma estratégia articulada e alinhada com o tamanho do desafio colocado pela pandemia, vendendo as “reformas” como “salvação” do país.


O segundo elemento é que não há recurso novo. O governo somente tem remanejado recursos, ou seja, está retirando de algum lugar para colocar em outro ou, em alguns casos, apenas antecipando o pagamento de despesas. Enquanto nos outros países se debate a necessidade de elevar o gasto fiscal para manter algum nível de atividade econômica, o governo Bolsonaro simplesmente propõe tirar recursos de um lugar para colocar em outro, com a possibilidade de o efeito ser muito reduzido em termos de “empuxo” para a economia brasileira. A insistência em manter o “Teto dos Gastos” vai destruindo cada vez mais o já combalido Estado brasileiro.


Vale ressaltar que nesta proposta de antecipa-remaneja, o principal gasto público mantém-se intocado: os juros e serviços da dívida pública. Nenhuma medida foi sequer cogitada para renegociar parte da dívida, alongando o perfil e abrindo espaço no orçamento para os gastos emergenciais de combate a pandemia e a anemia da economia brasileira.


O governo tem insistido em subsídios tarifários e monetários para aumentar a renda disponível ao setor empresarial, mas o caso brasileiro caracteriza-se por insuficiência de demanda, ou seja, o governo deveria ampliar os gastos para manter a roda girando e não somente postergar o recebimento de recursos. Há uma série de gargalos logísticos, sociais (saneamento básico, escolas, saúde, entre outros) e de aparelhos do Estado, assim como obras paradas, que deveriam ser continuadas. Simplesmente disponibilizar recursos, como faz também o Banco Central, não é garantir que eles sejam injetados na economia.


No Brasil, um dos principais riscos da atual pandemia é o impacto à população mais vulnerável: pessoas que vivem nas ruas e aqueles com renda muito baixa, geralmente morando em precárias condições sanitárias. São grupos populacionais muito mais expostos ao aumento de contaminação pela doença. A liberação de recursos assistenciais, via Bolsa família e Previdência, poderia amenizar o impacto para essas pessoas, entretanto, as filas para acesso a esses benefícios registram números impressionantes e desumanos.


Para os trabalhadores envolvidos direta e indiretamente nos setores afetados pelo coronavírus, incluindo autônomos e informais, é urgente a necessidade de se estruturar um conjunto de benefícios que lhes garanta a manutenção da renda, total ou parcialmente.


No caso dos trabalhadores formais, é importante assegurar a estabilidade no emprego pelo tempo que durar a crise, além do abono das faltas. É a forma de assegurar aos trabalhadores a isonomia do tratamento dado às empresas que, beneficiadas com adiamento de pagamentos e/ou crédito relacionado a esse período, poderiam assumir o compromisso de manutenção dos postos de trabalho.


Portanto, o pacote do governo é genérico, típico de construção de “última hora”, e parece subdimensionar o real impacto do coronavirus na já frágil economia brasileira.


Insiste na pauta liberalizante e de contenção fiscal, ao contrário do resto do mundo. Além disso, foca em tentar aumentar a “renda disponível” das empresas, mas trata superficialmente dos trabalhadores formais, não garantindo estabilidade dos contratos.


Ao mesmo tempo, trata de forma generalista os informais e a população mais vulnerável socialmente, expondo-os totalmente a uma conjuntura ainda mais desfavorável do que aquela em que vivem. É imperioso uma “correção de rota” nesse plano, especialmente porque é insuficiente para a complexidade do cenário que o país atravessará nos próximos meses. Este plano não estabiliza a economia e pode custar milhares de vidas.


Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

Autor:Fenaj
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