De 2012 a 2014, houve 87 graves violações contra
comunicadores no Brasil --14 assassinatos, 18 tentativas de homicídio, 51
ameaças de morte e quatro sequestros. E em 74% dos casos há indícios de
participação de agentes do Estado: policiais, políticos ou agentes públicos,
segundo aponta levantamento da associação Artigo 19, braço brasileiro de
organização pró-liberdade de expressão sediada em Londres.
A violência continua em 2015. Apenas no primeiro semestre, um jornalista e três
radialistas já foram mortos em decorrência de sua atividade profissional e
investiga-se a relação com a profissão em outros três homicídios.
A gravidade do cenário levou o Estado brasileiro a ser denunciado, na última
sexta-feira, na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), órgão
ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos).
"Ao não desenvolver políticas efetivas de garantia da liberdade de
expressão de comunicadores, o Estado brasileiro viola suas obrigações
internacionais e por isso foi denunciado nesta audiência", afirmou Paula
Martins, diretora-executiva da Artigo 19.
Ao lado da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e da
Fitert (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e
Televisão), a associação denunciou o Brasil por violação ao direito à liberdade
de expressão, firmado na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o
Brasil é signatário desde 1992.
"Os números são expressivos e mostram que o quadro é sistemático: as
violações ocorrem em todas as regiões e em cidades de todos os portes",
disse à BBC Brasil Júlia Lima, coordenadoras do programa de proteção e
segurança da liberdade de expressão da Artigo 19.
Procurada pela BBC Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República diz que não se trata de uma denúncia contra o Estado brasileiro, mas
"sim de uma solicitação de informações a respeito 'da violação sistemática
de direitos humanos de comunicadores nos últimos três anos'".
Contra o senso comum
Em julho de 2012, o cronista esportivo Valério Luiz foi
morto a tiros na saída da rádio Jornal 820 AM, de Goiânia. A apuração concluiu que
ele foi morto pelas críticas que fazia à diretoria do Atlético Goianiense, um
dos maiores times de futebol do Estado. O ex-vice presidente do clube foi
acusado de encomendar o crime a dois policiais militares - todos esperam em
liberdade pelo júri popular.
O levantamento dos casos, diz Lima, contraria a ideia de que esse tipo de
violação seria mais comum em regiões menos desenvolvidas - o Sudeste, por
exemplo, concentrou 28% dos ataques registrados de 2012 a 2014.
Usando metodologia própria, a Artigo 19 descobriu que a maioria dos episódios
(83% do total) resultou da tentativa dos comunicadores (sobretudo jornalistas,
radialistas e blogueiros) de promoverem investigações e denúncias sobre temas
de interesse público.
Um deles foi Pedro Palma, morto em fevereiro de 2014 na porta de casa em Miguel
Pereira, município de 25 mil habitantes na região serrana do Rio. Dono e único repórter
do jornal local "Panorama Regional", ele cobria corrupção (como o
desvio de patrocínio para um festival de jazz que não ocorreu) e já havia sido
alvo de ameaças.
E, embora casos como o de Palma ainda tramitam na Justiça, o relatório
apresentado na sessão da CIDH em Washington (EUA) indica que três em cada
quatro violações tiveram envolvimento de agentes públicos.
"Não levamos em conta apenas as investigações oficiais. Entrevistamos
pessoas envolvidas em cada caso, como familiares, colegas de profissão e
autoridades, para chegar a essas conclusões", diz Júlia Lima.
Caso recente
No último dia 6 de agosto, um radialista foi morto a tiros
enquanto apresentava um programa em Camocim, no Ceará. O relógio da Liberdade FM
marcava 12h40. Um homem rendeu a recepcionista e outro mandou o operador de
áudio se abaixar. Gleydson Carvalho levou três tiros, um deles na cabeça.
A investigação apontou envolvimento de sete pessoas no crime --entre elas o tio
e o sobrinho do prefeito de uma cidade vizinha. Conhecido pelas denúncias e
cobranças contra políticos da região, Gleydson morreu por "falar
demais".
Em busca de soluções