esqueci minha senha / primeiro acesso

ARTIGOS

Autor: Pedro Pomar
25/07/2013

“Tudo bem” com as novas Diretrizes, Sérgio Gadini?

“Tudo bem” com as novas Diretrizes, Sérgio Gadini?
Sérgio Gadini, professor universitário, foi escalado pela Chapa 1 (vale dizer, pela direção da Fenaj) para atacar um artigo de minha autoria sobre as novas Diretrizes Nacionais Curriculares do Curso de Jornalismo (DCN). Por que digo “atacar” e não “criticar”? Porque a finalidade principal de
Gadini não é contestar minha opinião e meus argumentos (o que seria legítimo e desejável), mas antes desqualificar e desconstituir os pontos de vista críticos que defendo. É por essa razão que ele abre seu artigo de modo um tanto arrogante, propondo-se a me dar uma “dica” sobre a necessidade
elementar de “compreender” questões complexas antes de se pronunciar sobre elas...


Nessa mesma linha pretensiosa ele prossegue, seja ao apontar minha suposta “ignorância” (sic), seja ao designar como “eleitoreira” (sic) a minha crítica ao relatório produzido pela comissão de especialistas
designada pelo MEC. Uma pena, pois sua necessidade de desqualificar o oponente ameaça desmerecer as razões que porventura tenha nas críticas que me faz. Voltarei ao assunto ao final deste texto. Mas vejamos como as questões levantadas por mim no artigo “Novas diretrizes curriculares do curso de Jornalismo escamoteiam poder do oligopólio e atendem ‘mercado’” são respondidas por Gadini no texto “Candidato à direção da FENAJ, pela Chapa 2, revela desinformação sobre diretrizes curriculares em Jornalismo”.


Meu artigo sobre as novas DCN, publicado inicialmente pela Subseção de Foz do Iguaçu e Região do Sindijor-PR (http://goo.gl/jWWugB), e depois por Carta Maior (http://goo.gl/FVd0Fq) e Observatório da Imprensa (http://goo.gl/PeQxo6), trabalha duas questões em especial: 1) a conversão do curso de Jornalismo em mero instrumento de formação de “mão de obra” para o mercado e 2) a ausência, tanto no diagnóstico elaborado pela “Comissão Marques de Melo” quanto no teor das diretrizes propostas, do
oligopólio midiático, ou seja, do Capital.


Convenientemente para ele, Gadini limita-se a pinçar uma única frase do trecho de abertura do meu artigo. Portanto, reproduzo a passagem completa: “A meu ver, a ausência mais aguda nas Diretrizes Curriculares é a do Capital. Um conjunto de pesquisadores acadêmicos de alto quilate conseguiu a proeza de reunir-se para tratar do Curso de Jornalismo tendo chegado ao final de seu trabalho sem se pronunciar sobre como se configura no Brasil o sistema empresarial, oligopólico, firmado sobre a propriedade cruzada de diferentes meios de comunicação, que dá as cartas na mídia e no jornalismo brasileiros. Dizendo de outra forma, o sistema responsável pela produção da maior parte do jornalismo brasileiro, diário ou semanal, seja ele impresso, televisivo, radiofônico ou digital, é ignorado no documento.”


A reprodução desse trecho é crucial, mesmo porque a Chapa 1, primeira a publicar o texto de Gadini, cometeu a indelicadeza (e falta de respeito aos ciberleitores) de sequer oferecer um link para o meu artigo. O professor de jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa batia num “fantasma”, porque o leitor não dispunha de acesso ao meu texto na íntegra, mas tão-somente aos recortes que Gadini faz. Felizmente o Sindijor-PR age corretamente e remete o leitor para o meu artigo já na introdução ao texto do apoiador da Chapa 1.


“Desse modo”, continuei no meu primeiro artigo, “não há uma avaliação crítica do papel desempenhado no jornalismo pelos empregadores de importante parcela dos atuais e dos futuros jornalistas, empregadores esses dotados de notável poder econômico e político na sociedade brasileira, habituados a moldar o jornalismo que praticam de acordo com seus interesses. Eles deixaram de ser criticados pelos especialistas da ‘Comissão Marques de Melo’, que, no entanto, preocuparam-se em atender suas
demandas, por exemplo por meio da figura do estágio obrigatório (‘possibilitando a interação da universidade com o setor produtivo’) ou do Mestrado Profissional (recomendação felizmente ignorada pelo CNE/CES), que permitiria a ‘formação de profissionais especializados, pleito histórico das organizações jornalísticas’ (leia-se: empresas de jornalismo).”


Como Gadini responde a essas considerações? De início, diz ele: “Tudo bem! [sic]. Mas, será mesmo que tal interpretação seria mais relevante do que a identificação das contribuições presentes na proposta da Comissão de Especialistas da área?” Como assim, por um lado “tudo bem”, por outro lado “será mesmo que tal interpretação seria mais relevante do que a identificação das contribuições”... ? Ora, como dissociar os dois polos (“ausência do Capital no diagnóstico e nas DCN” versus “contribuições presentes nas DCN”), como se um nada tivesse a ver com o outro? Trata-se de uma questão central, que não pode ser ignorada por pesquisadores científicos, docentes universitários, encarregados que foram de (re)formatar o curso de Jornalismo. Como podemos falar em “identificação das contribuições presentes na proposta da Comissão de Especialistas”, como ele alega, se tais “contribuições” ignoram a configuração do capital — até mesmo na vertente da economia da informação, de importância crescente nos últimos anos — e seu poder determinante, tanto nos arranjos de produção jornalística como no processo
de formação de novos profissionais?


A verdade é que a comissão de especialistas produziu um giro negativo fundamental nas finalidades últimas dos cursos de Jornalismo no Brasil, por meio das novas DCN, colocando-os a serviço do mercado. Esse foi o sentido principal das “contribuições” elencadas no relatório aprovado. São diretrizes curriculares que ignoram, seja como pressuposto, seja como objeto de análise dos alunos, o protagonismo político-conceitual do sistema privado nacional de mídia e sua devastadora influência sobre a qualidade
do jornalismo exercido em nosso país.


Alegações 1 e 2


Gadini tenta refutar minha crítica com base em quatro conjuntos de alegações. Tratemos, portanto, de examiná-los. O primeiro deles é o “argumento de autoridade”, já mencionado acima, segundo o qual eu
deveria ter “evitado falar de algo que exige conhecimento e ... contextualização”. Nessa ótica, alguém (o próprio Gadini) determina arbitrariamente quem pode tratar do assunto (ele e seus pares, que supostamente dominam o “conhecimento” necessário) e quem não pode (eu, que não reuniria condições para “compreender” as complexas questões envolvidas e, para completar, ainda teria feito uma “leitura apressada” das DCN). Além de intelectualmente pobre, essa alegação carece de qualquer
fundamento razoável, pois escuda-se em formulações preconceituosas, de tipo positivista.


O segundo conjunto de alegações — voltado expressamente contra minha afirmação de que as novas DCN colocam o curso de Jornalismo a serviço do mercado — invoca a complexidade do tema: “é preciso entender que elaborar um documento com diretrizes de abrangência nacional para orientar currículos de ensino em Jornalismo demanda uma compreensão de pluralidades regionais, referências sócio-econômicas e geográficas, dentre outras variáveis que marcam outras dimensões deste Brasil”, sustenta
Gadini. Assim, conclui, “qualquer tentativa de simplificar problemas como se tudo ficasse no limite de uma ou duas cidades do País seria tão ou mais trágico do que os padrões vigentes”.


Tenho acordo, em parte, com a primeira dessas formulações. É claro que as diversidades culturais, regionais e outras devem ser levadas em conta na formulação das DCN, embora sempre na perspectiva de enriquecimento prático e teórico, jamais como pretexto para rebaixamento do horizonte pedagógico. Diretrizes nacionais pressupõem a meu ver um conjunto de eixos estruturantes, “mínimos”, com os quais eventualmente venham a articular-se outras linhas curriculares, relacionadas a preocupações e especificidades regionais, locais ou de determinados grupos sociais. 


Por outro lado, esse argumento de Gadini parece completamente deslocado, se tiver como objetivo refutar minha afirmação de que as novas DCN destinam-se, fundamentalmente, a fornecer força de trabalho para as empresas de jornalismo. Por certo há outros patrões no mercado, como o setor público por exemplo. Mas por acaso não existe um sistema nacional privado de mídia e de jornalismo, imbricando grandes grupos empresariais de expressão nacional com monopólios regionais e locais, presente hoje em
todos os Estados brasileiros, impondo padrões, condutas, formas de contratação, ao mercado de trabalho dos jornalistas? Não deixa de ser curioso que Gadini cite a necessidade de “compreensão de referências
sócio-econômicas” na elaboração das DCN, mas evite falar do Capital que dá as cartas no setor. Ora, o que são as “referências sócio-econômicas”, senão a posição relativa de indivíduos e classes sociais no modo de produção?


Dito isto, acrescento que a outra formulação do professor, referente à “tentativa de simplificar problemas ... no limite de uma ou duas cidades” parece-me totalmente despropositada, obscura mesmo. Será que as DCN não são para valer? Será que o mercado do ensino privado de jornalismo, responsável pela maior parte das matrículas, anda tão mal no tocante à qualidade dos cursos que oferece? Se é assim (e acredito que seja), por que a comissão de especialistas não se manifestou a respeito?


Alegações 3 e 4


Passemos ao terceiro grupo de alegações de Gadini. São as que comunicam a ideia de suposta inevitabilidade das propostas da comissão de especialistas, referendadas pelo CNE/CES. Numa das passagens mais reveladoras de seu artigo, ele afirma: “Um giro rápido em algumas das 350 escolas de formação universitária em funcionamento no País já seria suficiente para entender que, da forma como está, e considerando a complexidade da própria universidade brasileira – formada por mais de 75% de vagas ofertadas em IES particulares, sob as mais diferentes formatações – a defesa da formação deve ter a mediação de setores diversos, como pesquisadores, estudantes e professores em Jornalismo. Em
política, é preciso avançar da forma como se pode e não ficar preso às formulações passadas ou distantes da realidade social". 


Repito, para que fique claro: “avançar da forma como se pode”, porque, como ele explica em seguida, as DCN atuais resultaram “de um consenso possível, ainda que bem longe da unanimidade”. Então estamos diante do inevitável, do possível, do máximo que se poderia alcançar em termos práticos. Portanto, segundo sua visão, devemos nos contentar com isso, sem queixas, embora abertos ao diálogo. É um ponto de vista pragmático, pautado pelo senso comum. Não ficar “preso às formulações do passado”
significa abrir mão de reivindicações históricas, em troca do “possível”. O avanço propalado consistiria, basicamente, na incorporação de “diversas formas de realização da atividade profissional do jornalista”, no “cuidado com as diversidades regionais, que precisam ser consideradas em qualquer atualização curricular”, e no tocante a garantir “as bases legais para a formação universitária em condições mínimas de acompanhamento docente”, a partir do “estágio curricular supervisionado”. (Retornaremos a
esses pontos mais adiante). 


Por fim, alega o professor que “o foco das DCN não é uma análise social da mídia!”, em enérgica resposta à minha crítica de que o texto dos especialistas valoriza excessivamente as redes sociais, a convergência
digital e os “novos sujeitos”, mas deixa de considerar o processo de concentração de capitais. A respeito disso, creio que seria mais adequado falar em “análise sociológica” (e não “social”), mas não defendo que seja esse o foco, obviamente. Meu objetivo foi apontar o caráter propositalmente vago das apreciações da “Comissão Marques de Melo”, que citou os novos sujeitos do mundo virtual, mas deixou de mencionar os
antigos e sempre onipresentes sujeitos, que são os capitais da mídia e do jornalismo. Não custa repetir o que escrevi: “Tudo parece, assim, muito difuso e etéreo, quando a realidade é bem outra, mesmo na Internet, onde a presença das grandes corporações, bem como a ação de grandes Estados, é
avassaladora”. 


Gadini é obrigado a reconhecer, contudo, que o potencial das redes sociais é contraditório, pois “mantém a mesma lógica da concentração registrada nos diversos meios”, ainda que “ao mesmo tempo uma possibilidade de expressão de grupos”. Destaca as manifestações de junho no Brasil como uma demonstração de acerto dos especialistas: “Na dúvida, seria oportuno voltar algumas semanas para confirmar como e a partir de onde foram articuladas as manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas em centenas de cidades do País. Se algo está fora de lógica, aqui, não parece ser a proposta das DCN em Jornalismo!” Perfeito, ou quase. As redes sociais tiveram realmente um papel decisivo nesses episódios. Menos claro é o papel do jornalismo, antes, durante e depois das manifestações. A única
certeza é de que os jornalistas sofreram violências (da Polícia Militar e de manifestantes) quando procuravam cumprir a tarefa profissional de cobrir esses acontecimentos. Será que as DCN ajudam a explicar a repulsa dos jovens e dos movimentos sociais às emissoras de TV? Ou a truculência
policial sistemática contra repórteres em geral?


Intrigou-me o silêncio de Gadini quanto ao trecho do meu artigo no qual assinalo os ataques disparados, no relatório dos especialistas, contra “um tipo de formação mais reflexiva, mais crítica dos meios de comunicação de massa”. Citei, então, duas passagens-chave, extraídas da página 12 do relatório, nas quais a “Comissão Marques de Melo” aponta a extrema periculosidade da crítica dos meios: 1) a teoria “passou a não reconhecer legitimidade no estudo voltado ao exercício profissional, desprestigiando a
prática, ridicularizando os seus valores e se isolando do mundo do jornalismo”; 2) “A ênfase na análise crítica da mídia, quando feita sem compromisso com o aperfeiçoamento da prática profissional, abala a
confiança dos estudantes em sua vocação, destrói seus ideais e os substitui pelo cinismo”. Não é digno de nota que, em ambos os casos, os especialistas tenham recorrido ao apoio bibliográfico de autores
estrangeiros? Qual a validade dessas afirmações no Brasil? Se o problema é tão grave, como se explica que nenhum autor nacional o tenha identificado e comentado? Quais as evidências empíricas que tornaram possíveis afirmações tão categóricas? Gadini endossa a opinião da “Comissão Marques de Melo”?


Estágio e “lógica mercantil”


Disposto a rebater minha crítica à adoção do estágio obrigatório nas DCN, o professor da UEPG aborda extensamente a questão. Faz algumas considerações pertinentes, reconhece a selvageria imperante no mercado (“descontrole”), mas acredita que a “regulamentação” tal como definida nas Diretrizes é a melhor saída: “alguma medida precisa ser tomada”, diz ele, pois não é possível “fechar o olho para a realidade e ignorar que, na grande maioria dos 350 cursos de Jornalismo, estudantes já realizam atividade de estágio – seja por conta própria, de forma voluntária, ou em precárias condições e, pior, na maioria das vezes, sequer com aval das instituições”. Assim, explica, a proposta de DCN “assume que, sim, é preciso regulamentar e, aos poucos, tentar intervir com um mínimo de condições na área”. Conclui sua argumentação de maneira pessimista, quase derrotista: “Da forma como está, neste momento, sequer dispomos de condições – seja como professores, dirigentes sindicais ou estudantes – de tentar segurar a lógica mercantil do ensino (privado ou não)”.


Bem, então existe uma lógica nisso tudo, e ela é “mercantil”. Também nisso estamos de acordo. Mas é preciso entender (“compreender”) que a lógica mercantil do ensino (“privado ou não”, eis aí uma novidade) não é a única envolvida na indústria do estágio. Há também a lógica mercantil das empresas de jornalismo, interessadas em comprar a mercadoria “força de trabalho” pelo preço mais baixo possível, quem sabe até adquiri-la gratuitamente, sempre que possível. Esta é uma das razões, talvez a
principal, pelas quais “desde início dos anos 1990, se discute estágio e sequer se conseguiu qualquer acordo no meio profissional jornalístico, até o momento”: os interesses patronais incidem fortemente sobre nosso “meio profissional”, bem como sobre as escolas de jornalismo, por múltiplas formas e canais. 


Quem sabe por este motivo Gadini atribua lógica mercantil até ao ensino público, como podemos deduzir da expressão, utilizada por ele, “privado ou não”. (A propósito, cabe perguntar aqui: se é mesmo assim, a “Comissão Marques de Melo” não teria a obrigação de rebelar-se contra tal lógica mercantil? Ou sucumbiu perante tal lógica e esta seria a razão de não mencionar o Capital nem no jornalismo, nem no
ensino superior?). 


Penso que as novas DCN não regulamentam o estágio em jornalismo, de modo algum. Apenas o tornam obrigatório, estabelecendo um mínimo de horas a cumprir (200). A meu ver, essa medida tende a intensificar a chantagem patronal sobre os alunos de jornalismo, reforçando o lugar-comum, nunca provado, de que o estágio é indispensável à formação profissional. A rigor, nunca houve fiscalização dos estágios, nem pelo poder público, nem pelas escolas de jornalismo, a não ser em caráter excepcional. O advento da Lei do Estágio de 2008 (lei 11.788, que regulamenta os estágios em geral) não mudou esse estado de coisas, até por que ela é incrivelmente omissa nesse mister e não prevê quaisquer medidas
específicas de fiscalização do estágio em geral. Como garantir que o estágio em jornalismo seja realmente supervisionado?


Gadini supõe que a “regularização das relações de ensino a partir do estágio curricular supervisionado”, envolvendo diretamente as instituições de ensino superior (IES) “no acompanhamento das atividades
desenvolvidas por estudantes em espaços profissionais”, é o caminho para superar a carnificina atual. Mas ele mesmo admite que “obviamente, sem este apoio das direções das IES, professores e estudantes (de Jornalismo), qualquer proposta seria inviável”, o que o leva a apostar que, após a homologação das DCN pelo MEC, “os cursos possam, aos poucos, adaptar seus currículos ... sem apelar para a oferta descontrolada de aprender com um mercado que pouco garante a uma área que pressupõe investimento
humano, sensibilidade crítica e capacidade de diálogo com as complexidades do mundo contemporâneo”.


A meu ver, nada na história recente do mercado de trabalho do jornalismo e no comportamento das escolas autoriza essa hipótese, muito pelo contrário. É um erro pensar que a maioria dos estágios se realiza sem o “aval” das IES, pois na verdade a maior parte delas incentiva e alimenta essa indústria perversa. Apresentei, com outros companheiros, teses sobre a questão do estágio no Congresso Nacional dos Jornalistas de 2008, e no Congresso Estadual dos Jornalistas de São Paulo em 2012, em ambas as ocasiões propondo que a categoria reabrisse a discussão a respeito, dado o fracasso do Programa de
Estágio Acadêmico da Fenaj. Em ambas as ocasiões fomos derrotados, com o agravante de que foi aprovado, em 2008, para felicidade do patronato, um piso nacional de remuneração dos estagiários inferior ao salário mínimo! Na tese de 2012, afirmávamos: “Um dos mais intensos fatores de precarização do trabalho dos jornalistas em São Paulo e em outros Estados é o estágio. Há doze anos, no Congresso Nacional dos Jornalistas, a categoria mudou sua posição sobre o assunto ? até então desfavorável ? e aprovou o ‘Programa de Estágio Acadêmico’, proposto pelo SJSP, na suposição de que é possível
regulamentar o estágio e assim evitar as fraudes. De lá para cá, porém, a figura do ‘estágio acadêmico’ não se mostrou viável, pois até mesmo as empresas que aderem ao programa desrespeitam as normas combinadas e fraudam o convênio.


Como instituição, o estágio só interessa ao capital, aos patrões: a contratação de estagiários avilta o mercado de trabalho ao permitir o barateamento da força de trabalho. Além disso, retira das escolas o papel central na formação dos jornalistas, transferindo-o para as empresas jornalísticas, que procuram moldar os futuros profissionais de acordo com seus próprios (delas) interesses e visões-de-mundo.
A idéia de que o estágio é uma necessidade pedagógica, uma etapa indispensável na formação dos jornalistas, não encontra amparo na realidade. Pior ainda, o discurso de que o estágio é imprescindível
contribui para reduzir as pressões sobre as escolas para que estas ofereçam laboratórios de qualidade e corpo docente qualificado, e sobre o MEC para que fiscalize as condições de ensino do jornalismo".


Considerações finais


Sou obrigado a declarar que são levianas as acusações feitas por Gadini de “manifestação eleitoreira”, mostram que ele desconhece meu histórico de intervenções no assunto DCN. Minhas primeiras críticas ao relatório dos especialistas foram pronunciadas em sessão do Congresso Nacional dos Jornalistas de 2010, em Porto Alegre, na presença do próprio Marques de Melo! Também Elaine Tavares (SC) e Juliana Nunes (DF), igualmente integrantes do Movimento LutaFenaj!, participaram do debate que a princípio não estava previsto, após longa exposição de Marques de Melo sobre as DCN propostas. Na condição de delegado do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, questionei o líder da comissão de especialistas
quanto ao pequeno número de audiências públicas realizadas (três), à questão do mestrado profissionalizante, ao estágio etc.


Por fim, volto ao método de Gadini. Impressiona a coleção de insultos à minha pessoa, que ele distribui ao longo do texto: “miopia política”, “defesa simplista”, “vontade de contrariar”, “manifestação mais eleitoreira do que consistente”, além de insinuações e ironias variadas. Partindo de alguém que sequer foi citado no artigo que motivou tamanhas diatribes, fico imaginando o que levaria um pesquisador acadêmico a cometer tais agressões, que contradizem outras afirmações suas. No mesmo texto ele assevera, paradoxalmente, que “em movimento social, um dos grandes desafios humanos é aprender a conviver com a pluralidade”. Também enfatiza a importância do “diálogo”, “sempre fundamental para tensionar mudanças”. Seria mera retórica?


O artigo de Gadini só foi publicado em 14 de julho, portanto dois meses após o meu, publicado em 13 de maio. De modo que o professor deixou para se pronunciar na última semana da campanha eleitoral da Fenaj, mas é a mim que acusa de “eleitoreiro”. Quanto às referências desrespeitosas à minha pessoa, sugiro a ele que consulte meu currículo Lattes (http://goo.gl/a4KJMz). E que seja um pouco mais educado em seus próximos escritos.


Encerro este texto com a concisa proposta de diretrizes curriculares, de minha autoria, que o Movimento LutaFenaj! submeteu à “Comissão Marques de Melo”, a título de contribuição, na audiência pública realizada por ela em São Paulo, em 2009:


“1. Todo jornalista deve reunir condições de refletir sobre a realidade e os acontecimentos com independência, do mesmo modo que precisará ser capaz de selecionar informações e colher depoimentos de fontes fidedignas e ? com base neles e no seu conhecimento prévio ? elaborar relatos e comentários, em forma de texto, imagem ou ilustração, a respeito de tais acontecimentos (ou situações, ou questões) e, quando for o caso, emitir opinião relevante sobre eles. É importante que esse profissional tenha consciência da importância social, política e cultural do seu trabalho, considerando o conjunto da
população brasileira e os baixos índices de desenvolvimento social e cultural do país.


O jornalista deve também possuir uma visão crítica dos papéis desempenhados pelos conglomerados empresariais de comunicação social na sociedade brasileira, bem como dos grandes problemas da atualidade, particularmente daqueles que envolvem o Brasil e a América Latina. Adicionalmente, deve, sempre que possível, familiarizar-se com todas as mídias disponíveis, antigas e novas, para que possa desempenhar razoavelmente seu trabalho.


2. Contudo, o principal desafio da formação acadêmica do jornalista está em oferecer-lhe um repertório cultural consistente, amplo e diversificado, o qual, combinado ao uso adequado das técnicas jornalísticas, poderá capacitá-lo a produzir informação de qualidade. Assim, a primeira tarefa do curso de jornalismo deve ser capacitar intelectualmente o estudante, fornecendo-lhe as ferramentas teóricas e conceituais que lhe permitam compreender o mundo em que vivemos, a complexidade do tecido social, os conflitos sociais, os papéis desempenhados pelas organizações de mídia etc. Quanto às técnicas propriamente ditas, sabendo-se que não são necessariamente isentas de viés ideológico, devem ser continuamente
repensadas.


Consideramos, dentro destes parâmetros, que o currículo do curso de Jornalismo deva garantir:


a. Uma formação minimamente sólida em ciências humanas (História, Sociologia, Antropologia, Filosofia);
b. Uma formação minimamente sólida em Economia, com atenção especial para os grandes problemas da atualidade: desenvolvimento econômico com desenvolvimento social; emprego e desemprego; blocos econômicos; desigualdade social; crise estrutural do capitalismo; economia da informação;
c. Noções de Direito e de Relações Internacionais;
d. Atenção especial às questões da América Latina, em particular o subdesenvolvimento crônico resultante do colonialismo, as tentativas de desenvolvimento autônomo, as relações Norte-Sul e as temáticas culturais;
e. Que o estudo dos mídias e das técnicas de jornalismo contemple as chamadas mídias livres e mídias alternativas, bem como o jornalismo sindical. As disciplinas laboratoriais deverão, portanto, levar em conta, além das novas mídias digitais, campos de atuação profissional e segmentos do mercado de trabalho hoje esquecidos ou relegados nas escolas de jornalismo (caso, por exemplo, da cobertura de esportes);
f. Independência e autonomia crítica em relação aos interesses que predominam no setor de comunicação social. Neste sentido, é inaceitável que empresas ofereçam disciplinas e controlem inteiramente seu conteúdo, como ocorre hoje na ECA-USP;
g. Reflexão crítica sobre as fontes e as pautas. Formação ética que não permita ao jornalista incorrer em conflito de interesses". 


Nota: o presente texto é uma versão revista, ampliada e atualizada do artigo intitulado “Tudo bem com as DCN, Sérgio Gadini?”, publicado em 17/7 na página http://goo.gl/BbiKjy. 


Pedro Estevam da Rocha Pomar, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação (ECA-USP), editor da Revista Adusp, foi candidato a presidente da Fenaj pela Chapa 2 Luta,Fenaj!.

*O artigo de opinião é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Sindijor-PR.
Articulista: Pedro Pomar
.
Gralha Confere TRE